quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Batalha Espiritual (1)

   A análise do tema Batalha Espiritual, aqui enfoca o conjunto de crenças e práticas neo-pentecostais, mas que vem alcançando espaço em nosso meio. São inovações provenientes de várias fontes: erros de interpretação de textos bíblicos, experiências pessoais e revelações de origem estranha. Trata-se de distorção doutrinária que está muito em voga na mídia evangélica e nos últimos anos vem recebendo aceitação de muitos líderes desavisados.

Realidade da batalha espiritual

   É verdade que no trabalho da pregação do Evangelho ocorrem muitos fenômenos inexplicáveis. Reconhecemos que os demônios existem, eles são reais e manifestam-se de várias maneiras, principalmente nas pessoas possessas. Tais espíritos precisam ser expulsos. É verdade que oração e jejum são indispensáveis e muito importantes na vida do crente, principalmente quando nos encontramos numa situação dessa. Esses fatos são atestados nos Evangelhos (Mt 12.22; 17.19, 21).
   Antes de sair para a evangelização, devemos orar, pedindo a Deus que prepare o campo para a semeadura. Oração e jejum por uma cidade ou bairro a serem evangelizados são como tropas de artilharia, que primeiro destroem a fortaleza do inimigo, como na guerra, destruindo pontes, aeroportos, rodovias, centrais elétricas, emissoras de rádio e televisão, para que depois as tropas de infantaria possam completar o trabalho. No plano espiritual, há muita semelhança (2Co 10.4). Devemos orar também para que o Espírito Santo prepare cada coração para ouvir o Evangelho, pois é o próprio Espírito quem convence o homem do pecado (Jo 16.8).
   A batalha espiritual é, portanto, um tema bíblico: "Porque não temos que lutar contra carne e sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais", Ef 6.12. Nessa anáfora, a preposição pros, "contra", é usada cinco vezes para reforçar a ideia de que a esfera principal de atuação do Príncipe das Trevas não é apenas, como muitos pensam, a prostituição e o crime, mas principalmente o reino das religiões. Religiões falsas são um caso de batalha espiritual.  
   Na versão Almeida Revista e Corrigida da Bíblia, a tradução de kosmokratoras tou skotos por "príncipes das trevas" é mais precisa. Segundo o dicionario de Horst Balz e Gerhard Schneider, o referido termo significa: "Senhor do mundo. À margem da Bíblia, o termo serve para designar os deuses que regem o mundo (Hélios, Zeus, Hermes), e também os seres espirituais 'cósmicos' (os planetas)".¹ Esse conceito está dentro do pensamento paulino nessa passagem.
   Nesse aspecto, a Teologia da Batalha Espiritual está de acordo com as Escrituras Sagradas. Os fatos estão registrados na Bíblia e nenhum cristão ousa negar essa realidade. Mas, a interpretação desses fatos apresentada pelos teólogos da batalha espiritual torna-os mais próximos do esoterismo e do ocultismo do que dos pentecostais. Isso envolve as doutrinas da maldição hereditária e espíritos territoriais, e a ideia de expulsar demônios dos próprios crentes em Jesus.

Maldição Hereditária

   Os expositores da maldição hereditária afirmam que seus ensinos têm apoio bíblico e pinçam a Bíblia em busca de versículos aqui e acolá na tentativa de consubstanciar as novidades apresentadas ao povo. Marilyn Hickey é a principal promotora da referida doutrina, também conhecida como "maldição de família". A doutrina resume-se nisso: se alguém tem problemas com adultério, pornografia, divórcio, alcoolismo ou tendência suicida, é porque alguém de sua família, no passado, não importa se avós, bisavós, tataravós, teve esse problema.
   Segundo essa doutrina, a pessoa afetada pela maldição hereditária deve, em primeiro lugar, descobrir em que geração seus ancestrais deram lugar ao Diabo. Uma vez descoberta a tal geração, pede-se perdão por ela e, dessa forma, a maldição de família sera desfeita. Uma espécie de perdão por procuração, muito parecido com o batismo pelos mortos, praticado pelos mórmons. 
   Seu livro intitulado Quebre a cadeia da maldição hereditária, publicado no Brasil pela Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno (Adhonep), em 1988, mostra que seus argumentos são baseados essencialmente em experiências humanas e perversões exegéticas. A autora procura fundamentar suas idéias da maldição de família nos problemas de ordem espiritual da dinastia de Herodes. Quer provar que a natureza perversa e desnatural de Herodes, o Grande, foi passando de pai para filhos. Segundo ela, todos os seus descendentes foram afetados pelo pecado do pai.²
   Será que isso prova a doutrina da maldição de família? A resposta é não! Caim e Abel eram filhos dos mesmos pais, receberam a mesma educação religiosa, entretanto um era fiel e o outro, ímpio (1Jo 3.12). O que dizer de Jacó e Esaú? Eram irmão gêmeos, educados em um mesmo lar, mas um tornou-se crente e o outro, profano (Ml 1.2 e Hb 12.16-17). Não existe na Bíblia registro de profeta ou apóstolo praticando ou ensinando a inovação defendida aqui pela autora, para quebrar a maldição de Caim, nem de Cão e nem de Esaú.
   É obvio que o ambiente em que vivem os filhos influencia muito na formação moral, psicológica e espiritual deles (Jr 13.23). É perfeitamente normal que as características dos pais passem para os filhos, tanto pelo convívio como pela hereditariedade genética e também espiritual. Assim, o exemplo da dinastia de Herodes, citado na obra, não se reveste de peso, é inconsistente. Isso é consequência genética e natural. Além disso, a dinastia de Herodes era uma família ímpia que não se converteu ao cristianismo. Colocar uma situação dessa como defesa da maldição hereditária é uma camisa-de-força.
   A Bíblia ensina que a maldição dos pais não vai além da quarta geração: "Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor, teu Deus, sou Deus Zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem", Ex 20.5. Esse texto é muito conhecido, é o segundo mandamento do Decálogo. Interessante que essa passagem é contra a ideia da senhora Hickey, no entanto, ela mesma usou a referida passagem para dar consistência bíblica à sua doutrina.
   Vinculando de maneira aleatória o segundo mandamento do Decálogo ao relato de Cão, descendente de Noé (Gn 9.24-27), Hickey concluiu: "Visto afirmar a Bíblia que ela é visitada até a quarta geração daqueles que o aborrecem - você poderá observar como ela recaiu sobre as gerações dos cananeus. Quando um pai pratica um pecado, seu filho o assimila. Estabelece-se logo uma fraqueza para pecar, e a velha natureza que vem do pai se transmite ao filho. Então vem o diabo e tenta o filho, e ele também cai"³ (Grifo nosso). Isso não é verdade, pois nem sempre o filho assimila o pecado do pai. Há muitos exemplos na história dos reis de Israel e de Judá, registrado nos livros do Reis e das Crônicas. O rei Amon "fez o que era mal aos olhos do Senhor" (2Cr 33.22), no entanto, o rei Josias, seu filho: "E fez o que era reto aos olhos do Senhor e andou nos caminhos de Davi, seu pai, sem se desviar deles nem para a direita nem para a esquerda" (2Cr 34.2).
   O segundo mandamento do Decálogo diz que Deus visita a maldade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que aborrecem a Deus. Logo essa passagem bíblica não pode se aplicar aos crentes (Rm 5.8-10), pois eles se tornaram novas criaturas, "as coisas velhas já passaram, e eis que tudo se fez novo" (2Co 5.17).
   A Bíblia ensina que a responsabilidade é pessoal. Havia em Israel um provérbio muito antigo: "Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram", Ez 18.2. Os hebreus usavam esse provérbio para lançar a culpa de seus pecados nos antepassados. "Uvas verdes" são os pecados e os "dentes embotados" são a consequência deles. Veja que Deus proibiu esse dito em Israel: "Que pensais, vós, os que usais esta parábola sobre a terra de Israel, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram? Vivo eu, diz o Senhor Deus, que nunca mais direis esta parábola em Israel", Ez 18.2-3.  
   Todo o capítulo 18 de Ezequiel gira em torno da responsabilidade individual do homem diante de Deus: "A alma que pecar essa morrerá; o filho não levará a maldade do pai, nem o pai levará a maldade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele" Ez 18.20. Não há espaço no cristianismo para essa crença estranha da maldição de família.
   Outra tentativa para dar roupagem bíblica a essas inovações é a interpretação errônea do termo "espíritos familiares" (Lv 19.31; 20.6 e Is 8.19). A autora afirma que os espíritos familiares são "maus espíritos decaídos que se tornaram familiares numa família".Interessante é que a autora insinua que essas referências bíblicas só valem se olhada a versão inglesa do rei Tiago, King James Version, porque nela é usada a tradução "espíritos familiares" nas três passagens em apreço acima citadas.
   A palavra hebraica usada para "espíritos familiares" é 'ôbh ou +' ôbhth, no plural. O Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento registra o seguinte: "As traduções modernas têm uma variedade de termos. Dentre ele temos: médium, espírito, espírito de mortos, necromante e mágico".É a "técnica de necromancia rotulada de ventriloquismo. A Septuaginta (LXX) usa engastrimythos, 'ventriloquismo', em todas as passagens, exceto Isaías 29.4".Ela é traduzida na Vulgata Latina por magus, que significa "feiticeiro, médium", e por phyton, "adivinho", em Isaías 8.19 e 29.4.  
   O que a Bíblia chama de médium, necromante ou algo do gênero, a autoria diz serem espíritos que passam de pais para filhos, na tentativa de substanciar uma doutrina extra-bíblica.

Notas
1 BALZ Horst e SCHNEIDER, Gerhard. Diccionario Exegético Del Nuevo Testamento, 2ª. ed., vol. I, Ediciones Sigueme, Salamanca, 2001, p. 2.379.
2 HICKEY, Marilyn. Quebre a Cadeia da Maldição Hereditária, Adonhep, Rio de Janeiro, 1993, pp. 37-43.
3 HICKEY, Marilyn. Op. Cit., p. 32.
4 HICKEY, Marilyn. Op. Cit., p. 62.
5 HARRIS, R. Laird, ARCHER, Jr, Gleason L., WALTKE, Bruce K. Dicionario Internacional de Teologia do Antigo Testamento, Vida Nova, S. Paulo, 1998, p. 24.
6 BOTTERWECK, G. J., RINGGREN, Helmer. Theological Dictionary of the Old Testament, vol I, WM. B. Eerdmans Publishing CO., Grand Rapids, Michigan, USA., 1990, P. 131.
7 Revista Resposta Fiel, R. Janeiro, Ano 6 - Nº 21, p 20-23.

2 comentários:

  1. A batalha espiritual trava-se a cada dia na vida do crente, para isso precisamos da armadura de Deus, há cananeus que não conseguimos vencer apenas derrota-los.Claro que nunca a pessoa vai herdar a maldição dos seus antepassados, ao aceitar Jesus como salvador e confessar-lhe todos os seus pecados, Jesus perdoa e a maldição do pecado é retirada. Para coisas tão simples, muita gente complica bastante. É certo que o mundo de pecado jaz no maligno e por isso está debaixo da maldição, mas como diz o crente está fora da maldição do pecados. Ele se fez maldição por nós. Gostei do texto, muito bom.

    António.

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  2. Graça e Paz Abençoado.

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